Ainda há juízes em Berlim. Será?

Pedro Augusto Neves da Fontoura

É bem possível que, mesmo não sendo do meio jurídico, você já tenha ouvido a expressão “ainda há juízes em Berlim” e não entenda a sua aplicação.

Na verdade se trata do poema de François Andrieux, onde se narra a história em que Frederico II, rei da Prússia, resolveu construir para si e seus vassalos uma ampliação de seu castelo, em busca de mais prazer e luxos somente possíveis aos soberanos e seus apaniguados, dada a pobreza da população em geral.

No entanto, já nos primeiros movimentos viu que no terreno vizinho havia um moinho, cujo proprietário era o chamado moleiro de Sans-souci, que vivia uma vida humilde da venda de sua farinha, sem preocupações (sans-souci significa “sem preocupação”).

Mesmo diante da insistência do rei em comprar-lhe o moinho, o moleiro se negava, alegando que ali fora onde seu pai morrera e onde criava os seus filhos. Não iria abrir mão de sua propriedade por qualquer quantia.

Irritado, disse então o monarca ao moleiro: “Você bem sabe que, mesmo que não me venda a terra, eu, como rei, poderia tomá-la sem nada lhe pagar”, no que o moleiro retrucou com a conhecida frase: “O senhor? Tomar-me o moinho? Só se não houvessem juízes em Berlim”.

Ao ouvir a resposta, o rei entendeu que, mesmo sendo um monarca poderoso, não estava acima da lei, deixando o moleiro em paz e desistindo da ampliação do palácio.

Daí em diante, a expressão “ainda há juízes em Berlim” tem sido usada como significado de resiliência, de resistência às pretensões injustas e da confiança de que Justiça será feita, mesmo contra os poderosos, mas, especial, que a lei deve servir para todos.

No Brasil, parece que as coisas não funcionam bem assim.

É comum os nossos governantes tão logo assumir o poder, cercar-se de bajuladores e incorporar o mito de que são deuses, estando acima da norma vigente.

Parece que a nossa “Suprema Corte” padece deste mal.

Nossos ministros se acham semideuses, quando não o Próprio (assim mesmo, com letra maiúscula, para remeter ao Criador, seja lá que nome você dá a Ele).

O exemplo claro se teve nesta quinta-feira, dia 01 de agosto, ontem, quando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a suspensão de procedimentos de investigação da Receita Federal sobre 133 contribuintes, entre os quais o ministro Gilmar Mendes e a advogada Roberta Rangel, mulher do presidente do STF, ministro Dias Toffoli.

Além disso, mandou afastar dois servidores do órgão que atuaram nessa investigação.

Não conheço os autos administrativos desta investigação. No entanto, o ato, por si só, à primeira vista denota um manifesto espírito de corpo, com o qual a Nação brasileira não admite mais conviver.

Nosso povo está cansado de ser espoliado, furtado, assaltado, desprezado pelas autoridades.

Não se atura mais acertos, conchavos, conspirações contra a Nação e contra o seu erário

Porém, todo autoritarismo e prepotência estatal sempre teve um fim trágico sob o ponto de vista histórico, como a queda da bastilha, as grandes revoluções populares e as tomadas do poder pela força popular.

Ninguém está acima da lei, nem os ministros do Supremo, nem as suas consortes que atuam nos arredores do Supremo, com escusos escritórios jurídicos dele desfrutando, entrando sempre nos gabinetes pela porta dos fundos.

Alguma coisa vai acontecer e eu acredito nisso, esperando que seja através dos caminhos da Lei, pois como operador do Direito em realmente acredito que “Ainda há Juízes em Berlim!”

Por: Pedro Augusto Neves da Fontoura

Advogado. OAB/SC 31.170 Teske, Lara & Neves da Fontoura Advogados Associados

*Coluna Livre, publicada no jornal “O Celeiro”, Edição 1590 de 08 de Agosto de 2019.

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