Aprender não ocupa espaço

Pedro Augusto Neves da Fontoura

No início dos anos 2000 minha vida deu uma reviravolta. Sempre estudei na minha cidade natal, mas aquele ano era diferente, fui matriculado em um colégio da cidade vizinha para cursar o ensino médio.

Na época nominado Albert Einstein, o colégio tinha como docente de história uma professora de métodos peculiares. A catedrática, apaixonada pela docência, visivelmente lecionava com prazer e detinha algumas técnicas vanguardistas de memorização, às quais, na época, confesso que não tinha a maturidade necessária para valorizar. Nos auxiliava a aprender história com músicas e paródias de sua autoria.

Mas não é exatamente essa a história que quero contar. Tal professora, num dos primeiros dias de aula, nos deu a missão de memorizarmos a La Marseillaise, hino da França, o que, naquela época, julguei algo completamente desnecessário.

Acontece que esse ano, quase duas décadas depois, na minha frente no portão de embarque para Milão, um homem alto, de pele morena, com sotaque francês carregado, começou a maltratar o atendente da companhia aérea, visivelmente transtornado pelo atraso no voo.

Acompanhei de perto a situação sem me manifestar, até o ponto deste homem atirar seu passaporte no chão e ordenar que o rapaz pegasse aos seus pés. Ao passar dos limites, interferi e acompanhei o franco-brasileiro para dentro da aeronave, ouvindo ao longe a aprovação do restante dos que aguardavam na fila.

Já dentro da aeronave, ainda transtornado, o rapaz me falou algumas palavras em francês, dizendo que todos nós brasileiros merecíamos morar no Brasil, e que jamais conheceríamos a França. Mal sabia ele que eu tinha sido aluno daquela professora… iniciei o “Allons enfants de la Patrie…” o que fez o rapaz me pedir desculpas e afundar na sua poltrona até o final do voo.

Algum tempo depois, contei essa história em um almoço familiar e descobri que minha irmã, também aluna daquela professora, tinha outra passagem, ainda mais interessante sobre o assunto.

Médica, atualmente residindo na cidade do Rio de Janeiro, contou que em um plantão qualquer na ala geriátrica, atendeu um paciente francês, portador de demência avançada, com quadro de agitação e confusão mental, que ficava gritando e arrancando os acessos e sondas que lhe auxiliavam a viver.

A solução foi também entonar a La Marseillaise, agora acompanhada pelo paciente em plenos pulmões, o que o tranquilizou melhor do que os ansiolíticos administrados, procedimento que se transformou em um tratamento continuado até o final de seus dias.

É engraçado como o conhecimento, por mais desnecessário que pareça, pode ser útil em algum momento e, mesmo que não seja, aprender não ocupa espaço.
Como eu queria saber disso mais cedo.

Por:
Pedro Augusto Neves da Fontoura
Advogado. OAB/SC 31.170
Teske, Lara & Neves da Fontoura Advogados Associados

*Coluna Livre, publicada no jornal “O Celeiro”, edição 1604 de 14 de Novembro de 2019.

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