Quem conta a História: Enedy Padilha da Rosa

Campos Novos, além dos 140 anos

Professora Enedy Padilha da Rosa conta como tudo começou, desde os povos primitivos que já habitavam o território geográfico que hoje é Campos Novos.

A pesquisadora Enedy Fatima Padilha da Rosa é natural de Campos Novos e desde jovem desenvolveu um interesse sobre a história do município e por isso optou por fazer faculdade de História e estudar áreas afins como: Geografia, Educação Patrimonial, Museologia e Arqueologia. Quando criança Enedy ouvia os causos, as conversas dos vizinhos, compadres e comadres de seus pais que visitavam sua casa e relembravam histórias antigas. Nessas ocasiões, os relatos diziam respeito a um tempo longínquo que remontava os primórdios da história local, que iam desde assombrações até como eram confeccionadas as roupas, as comidas, as viagens à cavalo, a construções das moradias com ramadas, das taipas, os casamentos arranjados, etc.. Para Enedy, entender a história de Campos Novos hoje, é preciso conhecer mais do que os relatos atuais. Antes de Campos Novos ser o município que é hoje, muitas coisas aconteceram nas terras que se dividiram e formaram vários outros municípios. A história é grandiosa com muitos eventos e muitos personagens anônimos. “Não podemos falar da história de Campos Novos sem falar sobre a questão dos povos primitivos. É importante lembrar que houve a ocupação pré-colonial antes de surgir o espaço geográfico, ou seja, o município de Campos Novos. Comemoramos 140 anos da criação do município, mas a história é bem anterior. Com os povos primitivos, depois a colonização, a tomada de posse do território pelos portugueses e luso-brasileiros, o surgimento das invernadas e das fazendas”, iniciou Enedy, que nos ajudou a compor esta matéria em homenagem ao município.

O Museu Arqueológico de Campos Novos foi o palco para o encontro com a professora, que enquanto caminhava relatava e mostrava as peças da coleção arqueológica, os artefatos remanescentes dos povos primitivos. Então, como tudo começou? Quem eram os primeiros habitantes do território que hoje abriga a conhecida Campos Novos? “Os chamados povos pré-coloniais habitavam nessas terras antes da chegada de Pedro Alvares Cabral ao Brasil. Eram os ancestrais dos índios Kaingangs e Xoklengs. Os grupos humanos primitivos que foram chamados de indígenas, tinham uma cultura peculiar, não conheciam os metais, confeccionavam suas próprias ferramentas em pedra e vasilhas em cerâmica. No Museu Arqueológico temos alguns artefatos líticos: lâminas de machado, pontas de flecha, réplicas e fragmentos em cerâmica de utensílios que os primeiros habitantes de Campos Novos utilizaram. Na região Sul do Brasil e ao longo do caminho das tropas os indígenas foram chamados de bugres. Temos nesta sala a herança cultural dos primitivos habitantes daqui, chamados de indígenas, eles pertencem ao grupo linguístico Jê. Além dos artefatos líticos, as cerâmicas foram encontradas em sítios arqueológicos como: oficinas líticas, estruturas subterrâneas (conhecidas popularmente como buraco de bugre), os danceiros locais onde enterravam os mortos.

Neste período Campos Novos tinha um território imenso, integrante do Planalto Catarinense, que também foi chamado juntamente com o Planalto Paranaense de Campos de Curitiba, conforme explica Enedy. “Todo o Vale do Rio do Peixe fazia parte da região de São João Batista dos Campos Novos, desde Rio Caçador, Rio Caçador, Perdizes (atual Videira), Rio Bonito ( Tangará) São Sebastião do Herval, Herval D’oeste, Rio Capinzal, Rio do Peixe (Piratuba). Fazia divisa com Porto União. E, em 1920 possuía uma área de 5.172 km². Mas como essas terras ficaram conhecidas e quem foram os primeiros a se alojar nessas terras? Diversos grupos étnicos aos poucos fixaram morada, com o surgimento das primeiras invernadas e fazendas houveram o desenvolvimento das primeiras atividades econômicas: a pecuária extensiva dedicadas a invernar e a criação de bovinos, muares e cavalares. Esses animais forneciam o couro, a carne ou serviam para o transporte e para a tração, eram levados pelos tropeiros até Sorocaba-SP, onde eram comercializados. Também existia uma agricultura de subsistência. A origem das famílias camponovenses aconteceu com a vinda de paulistas, paranaenses, riograndenses, a maioria descendentes de portugueses que trouxeram os descendentes de nações africanas que vieram na condição de escravo para trabalhar com seus senhores nas invernadas e fazendas. Nas últimas décadas do século XIX, vieram para Campos Novos alguns imigrantes italianos e alemães, aconteceu também a miscigenação entre os indígenas, descendentes dos africanos e dos europeus.

Enedy conta que, além dos indígenas, outros grupos passaram pelo município e deixaram vestígios e herança cultural. “Esse território se tornou conhecido dos Bandeirantes paulistas, que vieram primeiramente capturar os povos primitivos, depois visitaram a região novamente atrás dos metais preciosos. Eles diziam que na região que hoje pertence ao Planalto Catarinense existia um lugar chamado Ibituruna. Quando houve o Tratado de Madrid, em 1750, que dividiu definitivamente o território da Argentina e do Brasil, para a primeira demarcação o Barão do Rio Branco usou os vestígios que os bandeirantes deixavam de fortificações e de armamento. Pode ser que Antônio Raposo Tavares, Manuel Preto, Paes Leme, José Fernandes, Domingos Cordeiro entre outros bandeirantes, tenham passado por aqui”.

Essa região também era conhecida dos jesuítas, na historiografia, encontramos o mapa de 1752, localizado pela pesquisadora Zélia de Andrade Lemos, nesse documento histórico já existiam os afluentes do Rio Uruguai e do Rio Iguaçu. “O padre jesuíta, Pedro Lozano, escreveu em 1745, a obra ‘História de La Conquista Del Paraguay, Rio de La Plata y Tucuman’, nesse livro ele fala sobre os afluentes do Rio Uruguai e rio Iguaçu, descreve as matas de Pinheiros e relata que aqui nessa região do Planalto Catarinense existia uma população de portugueses”, relatou Enedy.

Sendo um caminho de tropa, essa região acabou sendo conquistada e chegou a pertencer a Capitania de São Paulo. “Existe uma carta que o governador da capitania do Rio Grande de São Pedro enviou para o governador da capitania de São Paulo. Esse documento histórico é datado de 6 de janeiro de 1777. Na escrita aparecem os rios Canoas, Pelotas e a partir dali, o rio Uruguai que é divisa natural de Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, que nasce da união das águas do rio Pelotas e do rio Canoas, do lado catarinense é Campos Novos, do lado riograndense é Barracão. Nessa carta ele cita o Rio Canoas como afluente da margem direita do Rio Pelotas e dali para baixo se chamava Rio Uruguai.

Toda esta contextualização histórica nos leva a entender que já havia conhecimento sobre esta região. A colonização daqui aconteceu principalmente com os paulistas, paranenses e gaúchos porque era caminho de tropa, e não podemos desvincular a história de Campos Novos da questão do tropeirismo. “Houve a guerra Guaranitica, que os espanhóis se juntaram aos portugueses para acabar com as missões. Na história foram os jesuítas que introduziram o gado franqueiro. Depois que a guerra acabou esse gado ficou espalhado e foi aumentando. Teve um momento que os bandeirantes começaram a levar o gado para São Paulo. O bandeirante começa a ser tropeiro, daí surgem os birivas, que começam a levar os bovinos, as mulas que traziam do Peru, da Argentina, passam pela região. Com destino a Sorocaba, São Paulo. Muitos deles passavam pela Coxilha Rica, no passo de Santa Vitoria, lá se encontrava um registro, onde as tropas tinham que pagar um imposto por cada cabeça de animal, que ia direto para a coroa de Portugal”, conta com detalhes a professora, que prossegue o relato.

“No ano de 1816, o paranaense Atanagildo Pinto Martins saiu dos Campos de Atalaia, com destino as missões, mas ele se desviou a leste, e saiu em Campos Novos, cruzando pelo Passo do Pontão, com destino ao Rio Grande do Sul. O registro oficial escrito é de Guarapavano, ele anotou sua passagem em 1816, por São João de Campos Novos. No princípio do século XIX, já existia um lugar chamado São João dos Campos Novos, que é hoje Campos Novos. Eu deduzo que já havia informações de um passo, esse passo era importante porque ele não tinha registro, e por isso não recolhia impostos, daí muitos tropeiros começaram a passar por aqui pelo passo do Pontão. Quando o Governo Imperial descobre, em 1848, ele fez um barracão, colocando guardas para fazer o registro e começar a recolher impostos, nesse momento surge a cidade de Barracão”.

Ao se tornar conhecida, as terras de Campos Novos atraíram muitas pessoas que tomaram posse das terras formando as primeiras propriedades, que eram as invernadas e as fazendas. “Há indícios de que já no final do século XVIII, existiam algumas fazendas. Em 1850 houve a lei das Terras, ali várias pessoas da região conseguiram legalizar as terras que estavam ocupando. Em 1864 temos na história local a revalidação do sistema de Sesmaria, adotado no Brasil até 1822, no tempo da coroa Portuguesa. As pessoas se apossavam da terra, faziam um mapa e depois requiriam junto ao presidente da Província o documento comprovando que era o dono da terra, foram assim que surgiram as primeiras propriedades. As terras foram construídas gratuitamente através das posses”, explica.
Já em 1854 foi criada a freguesia, a paroquia de São João Batista dos Campos Novos, através da resolução provincial número 377, e o distrito de São João dos Campos Novos. Neste interim houve muitas disputas e guerras, como a Guerra dos Farrapos. Com o passar dos anos o município foi se dividindo e hoje, há quase 140 anos, temos a atual Campos Novos, fundada como município em 1881. Com uma rica história cultural, o município tem muito a comemorar por ter uma bela herança cultural em sua trajetória histórica e também por ser uma terra próspera de gente trabalhadora, hospitaleira e empreendedora, fatores que forma a atual conjuntura social e econômica camponovense.

Em homenagem aos 140 anos do município, o jornal ‘O Celeiro’, inicia nesta edição uma série de reportagens especiais relatando a visão de várias personalidades que construíram sua história e tem muito conhecimento a compartilhar.

*Reportagem publicada no jornal ‘O Celeiro’, Edição 1665 de 25 de Fevereiro de 2021.

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