A história sobre as lentes de um contador de história
O município guarda muito nomes que fizeram da literatura sua paixão e dedicaram algumas obras para homenagear Campos Novos.
Derly Pedro de Souza, ou melhor, o Kifas, como é conhecido no município, é uma figura importante da arte e literatura camponovense. Com quatro livros lançados, e o quinto no forno, ele já dissertou sobre sua juventude em Campos Novos e sobre muitas histórias de pessoas que aqui viveram. Nesta série especial de reportagens daremos espaço para os representantes de todas as áreas e segmentos. O setor cultural é pouco valorizado, mas é inegável a importância dele. Homenageamos não só o município, mas pessoas que o enriquecem e tem muito para contar. Esta semana quem conta a história é o escritor Kifas, um grande contador de história, que vasculhou suas recordações e nos contou alguns detalhes de uma Campos Novos não tão moderna. Vamos conferir o que ele tem a dizer…
“Comparativamente ao município de Campos Novos de 50 a 60 anos atrás, considero que o município tenha dado um grande passo em seu processo de desenvolvimento. Dos meados da década de 1960, restam-me remotas lembranças da pequena Campos Novos de então, como da antiga sede da prefeitura na Praça Lauro Müller, edifício depois tombado e sede da Fundação Cultural de Campos Novos. No mesmo prédio da prefeitura, numa pequena repartição, funcionava o fórum da cidade, local inclusive das sessões de júri popular. Em um dos lados do velho prédio de 1919, já na esquina das ruas São João Batista com Marechal Floriano Peixoto, situava-se o posto de combustível do conhecido camponovense Raulino Antunes Stefanes (Tio Rau); pelo outro lado, na esquina da mesma Rua Marechal Floriano Peixoto com Rua Coronel Farrapo, ficava o prédio, cujo piso superior servia de residência e, no piso térreo, funcionava o Bar e Sorveteria Valenti, do casal Álvaro e Norma Valenti. Atualmente, na mesma instalação, funciona uma loja das Casas Bahia. Tanto o posto do Tio Rau como o Bar Valenti constituíam-se em conhecidos pontos de referência junto à Praça Lauro Muller, de ponto de encontro entre populares da cidade e fazendeiros produtores de gado que, naqueles mesmos locais, realizavam até grandes negócios.
As únicas ruas calçadas de que me recordo, no ano 1963, eram as do entorno da Praça Lauro Müller. O calçamento feito por paralelepípedos de basalto era a modernidade das vias urbanas da época, mas a maioria das ruas não era calçada. Hoje, a cidade com ruas asfaltadas, sistema de iluminação eficiente e até câmeras de monitoramento, não obstante minhas saudades da velha Praça Lauro Müller, agora remodelada, após o vendaval de 2011, além de ser um prazeroso logradouro público, a praça central insinua-se mais urbana, metropolitana e moderna, nas suas devidas proporções de pequena cidade, é claro.
Penso que a chegada da internet, dos celulares, do whattsapp, a velocidade das informações e às redes sociais parecem ter tornado a mentalidade do homem do interior tão metropolitana quanto o metropolitano da grande cidade. Vivemos um tempo em que as novidades surgidas nos grandes centros imediatamente chegam também nos interiores.
Ainda sobre o desenvolvimento de Campos Novos, de acordo com o depoimento do médico e agricultor Riscala Fadel, reproduzido em meu último livro, é fato conhecido para os mais velhos de que a economia do município alavancou mesmo com o início da era do plantio nos meados dos anos 60, através do pioneirismo do proprietário camponovense de terras, Itinho Rupp, que se atreveu a fazer plantio em grande extensão de terra, mais como experiência. O sucesso da plantação superou suas melhores expectativas, não obstante ainda não houvesse maquinário apropriado para grandes colheitas. Outros conhecidos proprietários de terras em Campos Novos, foram ver o resultado da plantação e ficaram entusiasmados. Algum tempo mais tarde, com a atividade agrícola intensificada no município e com o surgimento da política do cooperativismo, a produção em grande escala levou Campos Novos ao nível de maior produtor de grãos do Estado, corroborando o acelerado e significativo desenvolvimento econômico do município.
A chegada do asfalto, por volta do ano de 1975, através dos traçados das BRs 470 e 282, e a melhoria das estradas vicinais do vasto interior camponovense, facilitou o escoamento da produção agrícola, proporcionou o surgimento de investimentos em diferentes setores do município, gerando serviços e a criação de novos empregos. O comércio da cidade tornou-se mais variado e atrativo trazendo novas empresas e casas comerciais.
O sistema de saúde local passou a contar com maiores recursos técnicos, instrumentais, e trouxe também novos profissionais da medicina. Na educação, o setor tornou-se mais efetivo e completo, sobretudo com o acréscimo do ensino de nível superior em campus próprio. As redes de energia elétrica atuais deixaram para trás um sistema de distribuição frágil e dias e noites seguidas sem eletricidade, especialmente em tempos de chuva em que os técnicos da Celesc tinham que percorrer as linhas de transmissão de energia em toda a sua extensão, quilômetro por quilômetro, na cidade e no interior do município, para solucionar a falta de energia. Os modernos meios de comunicação, por sua vez, afastaram também para bem longe no tempo as ocasiões que tínhamos de aguardar dias para se conseguir uma chamada telefônica para qualquer outra cidade, em uma época em que o posto telefônico ficava junto à entrada do Salão Paroquial. O sistema de águas e esgotos iniciado nos meados dos anos 60, obra pública de indispensável valor para a população, foi se consolidando eficiente e servindo a toda a cidade, agora com cerca de 40 mil habitantes.
Nos esportes, ao longo de mais de 50 anos, considero que Campos Novos adquiriu uma infraestrutura esportiva bastante condizente com a cidade. E pensar que naqueles meados da década 1960, a juventude esportiva da época só contava com uma quadra esportiva dentro do pátio do extinto Ginásio São João Batista, do Padre Quintílio. Era apenas uma quadra com piso de concreto sinalizada com listras brancas e sem qualquer alambrado em volta. Realmente, considero que Campos Novos deu um salto substancial nos esportes, especialmente com relação aos esportes amadores, se considerarmos as conquistas de medalhas olímpicas, os destaques e as projeções de atletas camponovenses no cenário esportivo municipal, estadual e nacional.
Com relação ao tradicionalismo, não raro, porém, percebo a beleza artística latente da alma do gaúcho autêntico reverberando por trás de cada gesto do nativo camponovense criado em meio a essa nobre cultura, mas, sou somente um laico admirador do tradicionalismo gaúcho, conquanto fervoroso fã do saudoso Noel Guarani e mesmo de Teixeirinha. Que sempre dure essa tradição!
Me permito aqui ponderar de que, mesmo preservando nossas importantes e centenárias tradições, sempre é sábio não apenas a preservação e a divulgação, mas também a diversificação da cultura local como um todo. Tanto melhor ainda com apoio das instituições públicas e igualmente do empresariado de ponta, porque mais dia, menos dia, isso repercutirá positivamente.
Lembro-me do Padre Quintílio Costini, um ícone da educação e cultura em nosso município. Tendo sido aluno dele, hoje entendo o seu propósito em incentivar a formação escolar e cultural dos seus alunos no tempo do Ginásio São João Batista. Creio que a sua intenção era decididamente projetar aqueles jovens alunos às melhores carreiras na vida, mas também era de transformar a mentalidade do povo, a curto e médio prazo, em uma intelectualidade e em um entendimento distante de intrigas, mais cordial, sociável, progressista, culto, sobretudo moral, ético e de solidariedade.
Sou saudoso da minha outrora em Campos Novos, mas julgo que o município deu um grande salto de desenvolvimento a partir do momento que o camponovense descobriu a sua vocação plena para a cultura da terra e o agronegócio. Não bastasse isso, a posição estratégica do município no Meio Oeste Catarinense, a sua topografia de horizontes distantes e amplos, o temperamento amistoso do seu povo, a sua saga de mais de dois séculos de história, desde quando pertencia ao território de Lages, e considerando-se também o clima temperado e agradável desta terra, todo esse conjunto de fatores justificam Campos Novos como um excelente lugar para se viver”.
*Reportagem publicada no jornal ‘O Celeiro’, Edição 1667 de 11 de março de 2021.