CAMPNOVENSES: Dirceu Carneiro (PARTE II/FINAL)

O Revolucionário do Congresso que deteve a Presidência da República

O arquiteto e pecuarista da nossa terra conta detalhes envolvendo episódios históricos da política nacional.

Na primeira parte da Reportagem “Especial Camponovenses – com Dirceu Carneiro”, acompanhamos o início da sua trajetória de vida, onde Campos Novos foi a sua base familiar e emotiva, bem como os primeiros anos de carreira política, como líder estudantil, Vice-Prefeito e Prefeito de Lages.

O político que transformou Lages e contribuiu com vários programas sociais a nível nacional, como por exemplo, a criação do SUS, sentiu que que poderia ajudar a sua nação com a sua capacidade intelectual e de bom articulador que sempre foi.

oi assim, que no ano de 1982 renunciou à Prefeitura de Lages, para poder ser candidato a Deputado Federal, e foi eleito com votos de todas as partes do estado. Durante a campanha usou um fusquinha velho e uma Kombi para percorrer toda Santa Catarina, e chegou no Congresso Nacional de cabeça erguida, com uma eleição feita com bravura e honestidade.

E foram estes predicados que o levaram até a ONU e a assumir papeis relevantes no cenário político Nacional e, inclusive, Internacional, como a nomeação de Primeiro Secretário do Senado, Presidente do Mercosul e Detentor da Presidência da República.
Como Deputado Federal assumiu as Comissões da Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento Urbano, e também esteve à frente de episódios importantes para a história da política brasileira, como veremos a seguir na segunda parte da entrevista:

  • Como se construiu a primeira derrota da ditadura no Congresso Nacional?

Quando assumi meu cargo na Câmara comecei a luta para derrubar a ditadura. Na época, nós perdíamos para o grupo da ditadura em votos, mas começamos a articular e tomamos alguns deputados da ditadura e nosso grupo foi crescendo.

Existia o decreto do salário que o governo estabelecia, era votado pelo congresso nacional, e quando veio para votação, o presidente do congresso, o Senador Nilo Coelho, viu que tínhamos a maioria e que íamos derrotar o governo, resolveu enrolar e lá pela meia-noite encerrou a sessão sem colocar o projeto para votação. A nossa turma ficou com os nervos à flor da pele, foi então que o Fernando Henrique, Mário Covas e o Ulisses Guimarães foram tentar convencer o presidente a retornar com a sessão, enquanto isso nós combinávamos que, caso o presidente não retomasse a votação, iríamos quebrar todo o congresso, eu mesmo ia quebrar a mesa. Mas o presidente cedeu à pressão, retornou para o congresso, fez um discurso e abriu a votação, foi aí que derrotamos o governo.

Foi a primeira derrota da história do governo depois da ditadura. Ao chegar em casa, tinha um carnaval na nossa rua, Brasília e o Brasil como um todo foi uma festa só. A partir desse momento nós começamos a dar as cartas, aconteceram mais alguns fatos importantes até a convocação da Assembleia Constituinte.

  • Como foi participar diretamente da aprovação da Assembleia Nacional Constituinte?

Tínhamos um bom relacionamento com os militares de prestígio, e a partir daí fomos consolidando a parte militar. Com a morte do Tancredo Neves, achávamos que quem deveria assumir era o Ulisses Guimarães, por ser Presidente da Câmara, haja vista que o Vice, José Sarney, não havia sido diplomado, mas nas nossas discussões internas e com medo dos militares darem um golpe com a escolha do Ulisses e retomarem o poder, fizemos um acordo em que o Sarney, meu colega de congresso, assumisse a presidência.
Quando aprovamos a Assembleia Nacional Constituinte eu vim disputar a vaga de Senador e no ano de 1986 fui o mais votado entre oito candidatos, inclusive, ex-Governadores. Nesta eleição constituinte, eu elejo como o principal episódio político que pude vivenciar, pois ali nós discutimos tudo que existe hoje na constituição brasileira, e ela é considerada a mais generosa entre todas as constituições.

A título de informação, eu presidi uma parte da constituinte, como eu fui o primeiro arquiteto a chegar ao Senado, o Mário Covas me convidou para presidir a parte das cidades, toda a legislação por parte das cidades foi sob minha presidência, e depois elaborei o estatuto das cidades.

Mais um adendo, a Lei de doação de órgãos também é minha, outro, o código de defesa do consumidor, autoria de fio a pavio, da iniciativa à revisão, enquanto senador eu cuidava no congresso e o Geraldo Alckmin na Assembleia.

  • Como foi ajudar a desvendar a corrupção que envolvia o Orçamento do Congresso?

O orçamento do congresso estava numa corrupção sem controle, neste contexto o Mário Covas me colocou como relator do setor de siderurgia, e eu resolvi conhecer o setor e fiquei sabendo dos atos dos parlamentares. Quando esses políticos iam nas indústrias, eles retornavam carregados de vários presentes, até carros eles ganhavam. Numa das minhas visitas, levei um assessor e quando cheguei na siderurgia, abordaram o meu assessor com o intuito de oferecer algo ilícito e ele foi logo cortando o mal pela raiz. Resultado da investigação: foram oito cassações de deputados e uma de senador.

  • Como foi a sua atuação como Primeiro Secretário do Senado e sua contribuição para revolucionar o sistema de comunicação / informatização do congresso?

A Primeira Secretaria do Senado é o setor que executa as atividades administrativas do Senado, não é o Presidente que administra o Senado, mas sim o Primeiro Secretário. E justamente por isso fui escolhido para a função, pela minha experiencia administrativa devido às atividades que já havia exercido como executivo.

Quando assumi a primeira secretaria, procurei resolver um problema que se estendia por anos no Congresso, um grande atraso no ponto de vista das comunicações. O Senado não tinha comunicação interna, tanto é que os senadores tinham que ir para suas casas e recorrer aos meios de comunicação de massa para saber o que estava ocorrendo dentro do próprio parlamento. Uma das primeiras atitudes minhas foi publicar nos jornais de circulação todas as votações dos senadores, e logo já arrumei encrenca, mas eu queria ir além.

Neste período da história começou a surgir a Internet, e minha vontade era de informar aos parlamentares e senadores tudo o que estava acontecendo naquele momento para se constituir o fato político do dia. Desta forma, começamos a instalar nos computadores do congresso, informações referentes à agenda política do dia, e para isso precisemos de uma nova tecnologia que ainda não existia no Brasil, a qual fui encontrá-la nos Estados Unidos, e que ressalte, ainda estava em desenvolvimento.

Com essa inovação, fez com que todos os parlamentares tivessem acesso a todos os plenários que estavam funcionando a cada dia, com isso houve uma verdadeira revolução, as informações chegavam do mundo inteiro com som e imagens, algo que acontecesse no Japão, por exemplo, cinco minutos depois já estava repercutindo no plenário do senado. Isso proporcionou uma melhora significativa no trabalho dos senadores e considero a iniciativa que mais ajudou na projeção do Senado e do Congresso como um todo.

  • Como foi participar diretamente do Impeachment do Collor e deter por alguns instantes a Presidência da República?

O Impeachment do Collor foi um dos fenômenos que aconteceu naquele período, sendo o primeiro impeachment da América Latina. Sabe-se que a Câmara é a primeira que autoriza por maioria e o Senado é quem decide se afasta o presidente ou não, e quando foi decidido pelo afastamento, é o Primeiro Secretário que executa a ação.

Após a decisão de afastamento, o Vice-Presidente, Itamar Franco, comunicou ao Senado que não queria tomar posse logo em seguida para não parecer açodado, logo fizemos uma pressão ao Itamar e ele repensou a sua decisão, assumindo a presidência de imediato.
Um dia antes de executar o impeachment, eu alinhavei todos os detalhes com o Chefe da Casa Civil, e inclusive, a segurança do senado queria colocar 300 homens ao meu serviço, é lógico que recusei. Eu estava muito tranquilo, o presidente da república havia sido meu colega como deputado um ano antes, um moleque que não me causava nenhum constrangimento e eu só iria executar o meu papel.

No dia seguinte apanhei os documentos, chamei o secretário do senado para me ajudar, alguns outros colegas resolveram ir junto, e chegando no gabinete do Collor, ele estava com sua esposa, todo o seu ministério e eu entrei e informei a razão da minha presença. Entreguei o documento, o presidente passou para o Ministro da Justiça examinar, e com sinais claros de nervosismo assinou. Ironicamente com essa assinatura ele ficou desprovido da presidência.

Deste modo, a presidência passou para as minhas mãos, ou seja, naquele horário a única pessoa que detinha a presidência da República era o Dirceu Carneiro. Logo depois dei posse ao Vice-Presidente Itamar Franco, que assumiu o posto de presidente após o afastamento de Collor.

  • Como o senhor vê a transformação da Política Brasileira ao longo dos tempos e por qual motivo saiu tão cedo dela?

Os valores éticos e morais caíram muito de cotação e aumentou o interesse econômico financeiro e de favores ilícitos, deste modo a política perdeu qualidade. Eu acho que isso não deve nos levar a desesperança total, a sociedade é assim, às vezes numa determinada época da sua trajetória ela começa a primar por certos valores, os valores melhores aceitos, melhores discutidos ou os valores que encantam mais as pessoas, e ao cansar disso, abandonam certos aspectos que seriam desejáveis e pegam alguns descaminhos, a trajetória da humanidade é assim.

No setor público as coisas precisam girar, a fila anda, eu fiz o que pude e saí porque sei que tem outros que vão assumir a minha posição, podem ser melhores ou piores, mas vão assumir. No congresso Nacional, um deles tem a sua cara, que é justamente aquele que você votou.

*Reportagem publicado no Jornal O Celeiro, Edição 1792 de 17 de agosto de 2023.

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