Durante décadas o ordenamento jurídico brasileiro vem classificando os animais como “bens móveis” ou simples “coisas”, que apenas e tão somente integram o patrimônio de seu titular.
No entanto, não é preciso muito esforço para perceber que os animais de estimação assumiram nos últimos anos uma posição de destaque na vida das pessoas; em verdade, um status, que pela sua relevância, está sendo tratado no Anteprojeto que visa reformar o Código Civil para adequá-lo às transformações sociais e tecnológicas. Essas mudanças, repise-se, esperadas com certa expectativa, incluem alterações significativas no direito de família, sucessões, direito digital, contratos, direito empresarial, e notadamente, no que se refere aos animais de estimação, cujo assunto é o tema de hoje.
Os bens móveis (coisas), estão previstos no artigo 82 do Código Civil, cujo dispositivo apresenta a seguinte redação: “são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”. Pois bem, a parte do artigo que trata dos “bens suscetíveis de movimento próprio”, referem-se aos animais, também conhecidos por seres semoventes, como por exemplo: bovinos, ovinos, dentre outros. De acordo com a atual legislação os animais não são sujeitos de direito, e não figuram como titulares de direitos ou obrigações.
Contudo, sem embargo da atual classificação dada pelo Código Civil, observa-se que nos últimos anos os animais de estimação passaram a ter uma posição de importância na vida das pessoas por conta do bem estar que eles oferecem a seus proprietários, ultrapassando, portanto, a relação puramente de propriedade, de viés econômico-comercial.
Para se ter uma ideia dessa importância, já é possível encontrarmos julgados em nossos Tribunais respaldando o entendimento de que os pets, por conta dos vínculos afetivos com seus donos, devem receber tratamento jurídico diverso àquele puramente de propriedade exercido sobre as coisas em geral. Cite-se o REsp 1.713.167/SP do STJ, que tratou de uma dissolução de união estável de um casal, em que havia um animal de estimação para ser partilhado.
O STJ decidiu no referido caso que o ordenamento jurídico não pode desprezar a importância da relação da pessoa com seu animal de estimação, mormente nos dias atuais. Segundo o STJ, ambos os cônjuges criaram forte vínculo afetivo com o animal de estimação inobstante o término da união, em razão disso ficou definido que o cônjuge que ficou com a guarda do animal deverá assegurar ao outro o direito de visitas do pet.
Ora, os institutos jurídicos que serviram de base para a referida decisão, são institutos que se aplicam em casos que envolvem pessoas, e não animais, o que demonstra que legislação atual deve ser alterada para dar um novo tratamento jurídico aos pets.
Em outro caso análogo, observa-se que a parte autora da ação chegou a requerer uma espécie de “pensão alimentícia” após a separação do casal, em prol do animal de estimação.
Destaque-se, contudo, que pensão alimentícia se aplica às pessoas naturais, e não à animais. Contudo, após análise do caso, o STJ decidiu que: “As despesas com o custeio da subsistência dos animais são obrigações inerentes à condição de dono, como se dá, naturalmente com os bens em geral e, com maior relevância, em relação aos animais de estimação, já que a sua subsistência depende do cuidado de seus donos, de forma muito particularizada. (…) Se, em razão do fim da união, as partes, ainda que verbalmente ou até implicitamente, convencionarem, de comum acordo, que o animal de estimação ficará com um deles, este passará a ser o único dono, que terá o bônus – e a alegria, digo eu – de desfrutar de sua companhia, arcando, por outro lado, sozinho, com as correlatas despesas” (REsp 1.944.228/SP de 2022).
Por fim, conquanto alguns Tribunais venham aplicando decisões a casos concretos, questionáveis por conta de estarem sendo aplicados institutos jurídicos destinados às pessoas naturais, espera-se que o legislador, a quem cabe a prerrogativa de legislar, pacifique a matéria, definindo a natureza jurídica dos animais de estimação no ordenamento jurídico, os direitos que eles têm, e qual a amplitude desses direitos, como forma de trazer segurança jurídica às relações jurídicas.
Por: Leonardo Rafael Fornara Lemos
Advogado – OAB/SC 16707
Especialista em Direito do Agronegócio e Pós-Graduado em Direito Tributário
*Coluna OAB em Movimento, publicada no Jornal O Celeiro, Edição 1879 de 22 de maio de 2025.