Série especial, entrevista com Dra. Janaína Dias de Deus Camargo, presidente da OAB de Campos Novos.
Durante o mês de agosto, em todo o país, são realizadas ações alusivas à campanha Agosto Lilás, que tem como objetivo o combate aos diferentes tipos de violência contra a mulher.
Infelizmente, o Brasil está entre os países que mais registram casos de agressão contra mulheres. A região Sul, por sua vez, se destaca negativamente pelos altos índices de violência — o que é extremamente triste, preocupante e, acima de tudo, alarmante. Diariamente nos deparamos com casos estarrecedores e dados que revelam a gravidade dessa realidade.
Recentemente, no fim de julho, mais um episódio de violência e covardia chocou o país: um homem agrediu sua namorada com mais de 60 socos dentro de um elevador. A vítima, sem chance de defesa ou socorro, já vinha sendo alvo de outros tipos de violência.
O agressor é um ex-jogador de basquete, e sua defesa chegou a alegar que ele teria “sofrido um surto”, justificando assim a brutalidade. Mas a verdade é que ele é apenas mais um dos muitos homens covardes que se julgam no direito de dominar, ferir e controlar a vida das mulheres. Não apenas de suas companheiras, mas de todas nós — porque cada mulher violentada representa um ferimento coletivo.
O Jornal O Celeiro dará voz às mulheres durante este mês por meio de uma série de entrevistas especiais com representantes de diferentes órgãos do município. O objetivo é informar, orientar e, principalmente, oferecer apoio — não apenas às vítimas diretas, mas a todas as mulheres.
Muitas vezes, tudo o que uma mulher precisa é de escuta, acolhimento e compreensão. Nenhuma mulher deve se culpar por sofrer violência. Cada história tem seu tempo e seu processo. E o mais importante: que possamos, como sociedade, construir juntos uma realidade onde todas as mulheres sejam livres, respeitadas e tenham o direito a uma vida plena e digna.
Dando início à série especial do Jornal O Celeiro sobre a
Campanha Agosto Lilás, que tem como objetivo fortalecer o
Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, ouvimos:
Dra. Janaína Dias de Deus Camargo,
advogada e presidente da Subseção
da OAB de Campos Novos
Em sua fala, a presidente compartilha reflexões sobre o papel da campanha, os tipos de violência enfrentados pelas mulheres, o envolvimento da OAB no município e o impacto da conscientização, que, segundo ela, precisa ser permanente.
Para Dra. Janaína, o Agosto Lilás representa mais do que um período de mobilização. Ela ressalta que a campanha reforça a importância de uma conscientização contínua, que deve estar presente todos os dias.
“O Agosto, o Lilás, essa campanha de combate à violência contra a mulher, deve ser diária, pois representa a conscientização. A partir do momento que a mulher tem consciência de se prevenir, de que existem meios para isso, e decide dar um basta, a lei se efetiva. Porque enquanto a mulher apanhar e ficar calada, por dependência emocional ou qualquer outro motivo, a legislação não terá eficácia. É preciso dar esse basta.”
A presidente da OAB destaca que a violência contra a mulher está enraizada em padrões culturais e históricos, especialmente em regiões onde ainda persistem comportamentos machistas.
“A violência já parte do histórico do agressor. Na nossa região, ainda vemos comportamentos em que, para alguns homens, agredir a mulher parece algo natural. Embora muita coisa tenha mudado, ainda existem resquícios dessas atitudes. Há quem ainda veja a mulher como uma propriedade, como se fosse uma escrava. Isso precisa mudar.”
Ela enfatiza que o combate à violência doméstica deve ser diário, e não restrito ao mês de agosto.
“Felizmente, também temos o mês de março, que reforça essa pauta por conta do Dia Internacional da Mulher. O foco precisa ser constante, porque o que mais pesa hoje é justamente a violência doméstica.”
Dra. Janaína também chama atenção para o fato de que a violência não escolhe classe social ou profissão.
“Esse tipo de violência não está restrito a uma condição econômica. Na nossa reunião com advogadas e representantes da CAASC e da OAB, vimos relatos de mulheres da própria advocacia que já passaram por situações de violência. Já tivemos inclusive uma delegada, no Brasil, que também foi vítima. Isso mostra que todas as mulheres estão vulneráveis.”
Ela faz questão de lembrar que a violência doméstica vai muito além da agressão física:
“É preciso lembrar que violência não é só bater. Existe a violência sexual, patrimonial, psicológica e moral. Tudo isso precisa ser combatido com igual seriedade.”
Sobre a atuação da OAB na campanha, a presidente explica que a instituição acompanha a mobilização nacional e também planeja ações em Campos Novos:
“Vamos nos somar à campanha nacional do Agosto Lilás. Nosso compromisso é fortalecer o debate e levar informação à população. Vamos fazer isso de forma mais econômica, por meio de um vídeo (reel) nas redes sociais. É uma forma de ampliar nossa voz e reforçar um trabalho que já é feito diariamente.”
Ao falar sobre o papel da sociedade nesse processo, Dra. Janaína ressalta que todos têm responsabilidade:
“O comércio tem um papel importante, principalmente lojas voltadas ao público feminino. E as escolas também. Acredito que agora, em agosto, teremos eventos promovidos pelo Ministério Público nesse sentido. A OAB também participa desse processo, indo até as escolas e conscientizando os jovens. Temos, inclusive, o projeto ‘OAB Por Elas’.”
Ela aproveita a oportunidade para destacar esse projeto, que é voltado ao atendimento especializado de mulheres vítimas de violência doméstica:
“A sala da OAB é exclusiva para mulheres. Já houve até quem questionasse isso, querendo usar o espaço, mas ele é reservado. O local tem toda a estrutura necessária para o atendimento e conta com advogadas que prestam orientações e consultas jurídicas gratuitas. O serviço está disponível não só para situações emergenciais, mas também para fornecer informações e apoio contínuo.”
Conforme relata a presidente, o grande desafio é fazer com que as mulheres saibam que esse serviço existe e que podem procurá-lo:
“A sociedade precisa se conscientizar. Nós, enquanto classe dos advogados, já demos passos importantes, mas não conseguimos sozinhos. Quanto mais mulheres conscientes e dispostas a ajudar outras mulheres, melhor.”
Ela reforça, ainda, a importância da sororidade e da união entre as mulheres:
“A mulher precisa parar de criticar a outra e começar a apoiar. Assim como os homens se unem, se valorizam, precisamos fazer o mesmo. É um atraso social ver mulheres torcendo contra outras mulheres, inclusive em situações de violência. Precisamos nos ajudar.”
A mudança, segundo ela, começa em casa, desde a infância:
“É importante que a mãe ensine à filha a não permitir nenhum tipo de agressão, nem física, nem verbal. Tudo começa na criação.”
Ao final da entrevista, Dra. Janaína deixa uma mensagem de alerta e encorajamento:
“Toda mulher precisa olhar para dentro de si e identificar os sinais de violência em sua vida. Ela deve buscar ajuda — porque sozinha é mais difícil. Procure uma psicóloga, uma advogada especializada em Direito de Família, alguém que possa mostrar seus direitos. Avalie se essa relação pode ser reconstruída ou se está falida.”
E conclui com um chamado ao empoderamento e à liberdade: “Se a relação machuca mais do que acolhe, é preciso se libertar. Nenhuma mulher deve permanecer em um relacionamento violento apenas por status social. Ela tem o poder de sair desse ciclo. Muitas vezes, a libertação não vem da sociedade, mas de dentro dela mesma. A mudança começa nela. É por isso que a conscientização é tão fundamental.”
*Publicado no Jornal O Celeiro, Edição 1890 de 07 de agosto de 2025.