A verdade histórica sobre o chamado “Coronel Farrapo”

  • Introdução

Este texto não tem a intenção de desmerecer a história do nosso município, nem a memória das pessoas que ajudaram a construir Campos Novos. Pelo contrário: o objetivo é demonstrar respeito à verdade histórica, deixando claro onde termina o fato documentado e onde começa o mito popular.

Na tradição do nosso povo, muitas vezes a oralidade cria personagens e feitos grandiosos que se fixam na memória coletiva. Esse processo é natural e até enriquecedor. No entanto, quando se trata de documentos oficiais da Prefeitura, da Câmara de Vereadores ou de outros órgãos públicos, é nosso dever diferenciar a história comprovada da narrativa popular.

  • Quem foi Manoel Ferreira da Silva Farrapo?

Manoel Ferreira da Silva Farrapo foi o primeiro intendente — hoje equivalente ao cargo de prefeito — de Campos Novos, exercendo a função entre 1882 e 1886.

Recebeu o título de “Coronel” ligado à Guarda Nacional, instituição que concedia patentes honoríficas a chefes políticos e lideranças locais. Além disso, exerceu cargos de destaque, como o de deputado estadual em Santa Catarina.

Tudo isso é história comprovada, registrada em documentos, e merece ser lembrado e valorizado.

  • O registro de batismo como prova de nascimento

É importante esclarecer: no Brasil do século XIX não havia registro civil obrigatório de nascimentos. Essa função cabia à Igreja Católica, através dos livros de batismo. Assim, a certidão de batismo equivalia legalmente ao registro de nascimento.

No caso de Manoel Ferreira da Silva Farrapo, consta o batismo em 28 de fevereiro de 1833, em Ponta Grossa (PR). Normalmente, o batismo era realizado poucos dias ou semanas após o parto, raramente muito tempo depois. Portanto, é seguro afirmar que Farrapo nasceu em 1833, ou no final de 1832, no máximo.

  • A Guerra dos Farrapos e o mito da participação

A Guerra dos Farrapos ocorreu entre 1835 e 1845. Em Santa Catarina, o episódio mais marcante foi a Batalha de Curitibanos, em janeiro de 1840.

Se fizermos a conta: em janeiro de 1840, Farrapo tinha apenas 6 anos de idade, quase 7. Em 1839, nos demais episódios em Lages e região, tinha apenas entre 5 e 6 anos. É evidente que uma criança dessa idade não poderia ter participado de batalhas.

Além disso, não existe nenhum registro histórico — militar, civil ou político — que associe Farrapo à Guerra dos Farrapos. Os documentos oficiais consultados mencionam apenas sua trajetória política.

  • Como surgiu o mito?

A confusão provavelmente nasceu da coincidência entre o sobrenome ou apelido “Farrapo” e a denominação dada aos revolucionários farroupilhas.

Com o passar do tempo, a expressão “Coronel Farrapo” acabou se misturando ao imaginário popular, levando muitos a acreditar que ele teria sido um herói de guerra. Mas trata-se de uma construção oral e simbólica, sem qualquer prova documental.

  • Por que é importante esclarecer?

Valorizar a memória de Campos Novos é fundamental. Mas precisamos ter clareza: o respeito à história não se constrói com equívocos, e sim com fatos.

O mito pode continuar existindo como parte do folclore local, contado em rodas de conversa e transmitido como tradição popular. Porém, em documentos oficiais da governança municipal — atas, protocolos ou publicações públicas — não é correto reproduzir uma informação falsa.

  • Conclusão:

Diante dos documentos disponíveis, especialmente o batismo de 1833 — que à época equivalia ao registro civil de nascimento —, fica provado que Manoel Ferreira da Silva Farrapo era criança durante a Guerra dos Farrapos e, portanto, não poderia ter participado dos combates. O título de “coronel” que carregava vinha da Guarda Nacional, e não de feitos militares no conflito.

Assim, com todo o respeito à memória local, conclui-se que a versão do “Coronel Farrapo combatente farroupilha” é um mito popular. Pode ser preservado como parte do imaginário cultural, mas não deve ser repetido em textos oficiais como se fosse verdade histórica.

Por: Giovani Primieri
Produtor artístico-cultural, Palestrante, Escritor e Instrutor de Danças Tradicionais

*Artigo, publicado no Jornal O Celeiro, Edição 1898 de 02 de Outubro de 2025.

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