Nas zonas rurais, muitos negócios envolvendo imóveis são realizados sem a formalização jurídica necessária, com acordos verbais ou contratos não registrados. Embora esses acertos informais pareçam mais ágeis e econômicos, eles podem gerar graves problemas jurídicos, sobretudo em situações onde o vendedor falece e seus herdeiros, por desconhecimento ou má-fé, reivindicam a posse da terra. Nesse contexto, o comprador é forçado a buscar soluções jurídicas complexas para regularizar a situação, enquanto permanece em um limbo de incerteza que afeta sua segurança e a continuidade da produção rural.
Diante desse cenário, as ações judiciais mais comuns para resolver tais impasses são a adjudicação compulsória, a outorga de escritura e o usucapião rural.
A adjudicação compulsória é uma medida judicial utilizada quando há um contrato de compra e venda válido, mas o vendedor se recusa a transferir a propriedade. Para que essa ação tenha sucesso, é necessário comprovar o pagamento integral do imóvel, a validade do contrato e a resistência do vendedor em outorgar a escritura. No entanto, muitos compradores rurais encontram dificuldades em reunir os documentos exigidos, como recibos de pagamento e certidões atualizadas. Quando a negociação foi feita de forma verbal ou sem registros adequados, o processo pode ser indeferido ou se arrastar por anos, deixando as famílias vulneráveis e sem garantias legais.
A outorga de escritura é outra alternativa em casos onde o vendedor se recusa a formalizar a venda. Essa ação busca obrigar o vendedor, ou seus herdeiros, a entregar a escritura pública ao comprador, possibilitando o registro formal da propriedade. Contudo, tal ação exige provas robustas de que o negócio foi realizado e quitado, o que muitas vezes não é possível sem documentos adequados.
Já o usucapião rural apresenta-se como uma solução mais viável para regularizar imóveis adquiridos de forma informal, desde que a posse tenha sido contínua e produtiva por pelo menos cinco anos, e que a área envolvida não ultrapasse cinquenta hectares. Esse tipo de usucapião valoriza a função social da terra, mas também demanda provas, sejam documentais ou testemunhais, que comprovem a intenção de posse como se dono fosse (animus domini). Assim como nas outras ações, o usucapião não oferece uma solução rápida, e o processo pode se estender por vários anos.
O Estatuto da Terra oferece uma perspectiva importante ao enfatizar que a função social da propriedade deve ser priorizada. Segundo o artigo 2º da lei, a terra cumpre sua função social quando promove o bem-estar dos trabalhadores e proprietários, assegura níveis satisfatórios de produtividade, preserva os recursos naturais e respeita as leis trabalhistas. A legislação reconhece que quem exerce a posse e a produção rural tem direitos superiores ao mero titular do registro imobiliário, especialmente quando a terra se torna meio de subsistência e sustento familiar. No entanto, na prática, o conflito entre o direito de posse e o direito de propriedade formalizado em matrícula ainda gera insegurança e sobrecarga no sistema judiciário.
Além disso, a falta de formalização na aquisição de terras impede o desenvolvimento pleno das atividades agrícolas. Um contrato agrário bem elaborado não apenas protege as partes envolvidas, mas também incentiva investimentos e garante a previsibilidade nas relações jurídicas e produtivas. Contratos formais estabelecem os direitos e deveres das partes, definem prazos, formas de pagamento e soluções para conflitos, o que contribui para evitar litígios futuros. Quando a negociação é informal, tanto o comprador quanto o vendedor ficam expostos a riscos que poderiam ser evitados com um acordo documentado e registrado.

A informalidade nas negociações de propriedades rurais precisa ser combatida para evitar que famílias fiquem em situação de vulnerabilidade jurídica. Embora existam alternativas legais como a adjudicação compulsória, a outorga de escritura e o usucapião, cada uma dessas ações apresenta desafios específicos e pode se arrastar por anos nos tribunais. Para garantir segurança e estabilidade no campo, é fundamental que as partes sejam conscientizadas sobre a importância da formalização dos contratos e que tenham acesso a orientação jurídica especializada. Assim, o Poder Judiciário e os legisladores também precisam se empenhar em agilizar esses processos e promover maior segurança jurídica.
A terra não é apenas um patrimônio econômico, mas um elemento essencial para a vida e a dignidade das famílias rurais. Mais do que produzir e cultivar, é preciso assegurar que o agricultor tenha a certeza de que está construindo seu futuro com segurança jurídica, preservando tanto o valor social da terra quanto o bem-estar das gerações presentes e futuras.
Por: Maria Júlia de Oliveira Agostini – OAB/SC 57.932
*Coluna ‘OAB em Destaque’, publicada no Jornal O Celeiro, Edição 1902 de 30 de outubro de 2025.


