O que você quer ser quando crescer?

Camila Borges

Sabe aquele momento em que é preciso sentar, suspirar fundo, contar até dez, tomar uns goles de água e fazer uma força danada para controlar os olhos que reviram involuntariamente? Pois é, esse geralmente é o kit gestual básico para conversas em família, especialmente quando alguma tia aleatória resolve fazer aquela perguntinha delicada: “o que você quer ser quando crescer? ”

Fico extremamente impressionada ao analisar como algo tão complexo e difícil pode ser romantizado e simplificado aos olhos daqueles que querem puxar papo conosco, mas lhes afirmo, queridos adultos, que esse é o pior caminho para iniciar-se um diálogo.

A pergunta já é complicada apenas pelo fato de que estamos em uma fase extremamente difícil em que não sabemos quem somos. Não nos classificamos nem como crianças, muito menos como adultos, porém passamos a ser tratados de uma forma ou outra pelos mais velhos dependendo da ocasião que lhes convém. Sabe aquela história de “você é muito nova para sair sozinha”, mas daí “você já tem dezesseis anos, precisa assumir responsabilidades” ou “faça todos os serviços, já é uma moça, ” porém “você ainda é uma criança para querer namorar”. E por assim vai. Interessante, não!?

E ficamos em meio a esse pingue-pongue de perca de identidade, que não temos certeza de nada, porém temos que escolher algo para fazer pelo resto vida. No. Auge. Dos. Dezessete. Anos. Um trabalho que nos realize, seja na área que gostamos e que pague pelo menos nossa comida e os fones de ouvido que estragamos todo mês. Bem facilzinho responder aquela pergunta, né adultos!?

Não sou nenhuma especialista em carreiras, mas como adolescente sei por quanto tempo as indagações com relação ao meu futuro já foram capazes de causar frustração, ansiedade, preocupação e creio que aos demais jovens também seja um paradigma que bate à porta da consciência toda vez que recebemos uma nota baixa em alguma avaliação e nos perguntamos se realmente conseguiremos ser “alguém na vida” ou possamos fazer de fato algo digno para nos sustentar.

Compactuo que ter de escolher tão cedo seja uma forma de organização errada, por exemplo, em universidades do exterior os primeiros anos são genéricos, o aluno vai escolhendo as matérias que mais se identifica e apenas nos ultimais dedica-se à profissão específica, o que seria ótimo, porém voltando a nossa realidade, penso que quando as tias perguntam o que vamos SER quando crescermos, estão um tanto equivocadas.

Afinal de contas, leitores, não nos tornamos nada. Um diploma obviamente nos qualifica, mas o que somos, nossos dons, habilidades e capacidades já fazem parte de nós desde quando nascemos. Involuntariamente, o corpo e a personalidade tendem para algumas áreas que com uma dose de observação e autoconhecimento podem ser facilmente identificadas.

Sócrates já dizia, conhece-te a ti mesmo, e a vibe é exatamente essa. Analise-se, tente observar colegas, amigos, pais, ídolos e pessoas que admira ou acha a labuta que exercem bacana. Faça um exame de tudo o que já construiu até aqui e se a partir desses aspectos poderá ter sustentação futura.

É importante fazer cursos, estágios, pesquisar na net, conversar com profissionais das áreas de interesse, mas sobretudo, é importante tentar não ser influenciado pelos sonhos ou vontades dos pais. Por mais que a profissão não seja a mais rentável de todos os tempos é fundamental seguir o que nosso coração mandar. Quando fazemos aquilo que gostamos, o trabalho se torna um meio de prazer e auto realização, pois sempre buscamos dar o melhor de nós mesmos naquilo que nos satisfaz.

Dizem que quando amamos o que fazemos, não precisamos trabalhar um dia se quer. Sei que há uma cobrança patriarcal e social desmedida e precisamos de um trabalho que nos alimente, mas cada um tem seu próprio tempo. Um ano a mais ou a menos, trancar faculdades ou resolver lutar pelos sonhos e esperar um pouco, não nos fará menos digno do que quem ostenta um diploma na parede com vinte e dois anos de idade e carrega uma expressão amargurada no rosto.

Apenas precisamos lembrar de que ninguém tem o poder de limitar ou menosprezar nossos sonhos e quando alguma tia fazer aquela perguntinha indesejada, responda uma faculdade qualquer, mas ria internamente com tom de autoridade sabendo que não precisamos nos tornar nada. Nós já somos.

Por: Camila Soares Borges, Estudante

*Coluna publicada no Jornal “O Celeiro”, Edição 1583 de 20 de junho de 2019.

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