DIFERENÇAS ENTRE A ESCRITURA PÚBLICA E O INSTRUMENTO PARTICULAR NA FORMALIZAÇÃO DA COMPRA E VENDA
Ao tratar sobre atos jurídicos e declarações de vontade, é frequente o surgimento de dúvidas relativas às formalidades e exigências legais impostas para que o ato celebrado seja dotado de validade e eficácia, principalmente se a materialização do documento representativo da transação que envolve alienação de bens imóveis deve se dar por meio de instrumento particular ou de escritura pública.
Nesse ínterim e em breve introito ao tema, é mister destacar que, de acordo com o art. 221 do Código Civil, o instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor, mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público.
O instrumento particular refuta-se como documento legítimo para fins de negociação e constituição de acordo entre as partes e, quando dotado de todas as exigências jurídicas necessárias para sua validade, verbi gratia a subscrição por duas testemunhas, não precisa ser levado à registro no Cartório para ter sua validade, ainda que de forma menos ostensiva, devidamente reconhecida.
Por outro lado, consoante exegese do art. 215 do Código Civil, a escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena do ato jurídico que exsurge. Portanto, diferentemente do instrumento particular, a escritura pública não exige a assinatura por testemunhas instrumentárias, porquanto guarnecida da fidedignidade inerente à fé pública do notário.
Ademais e nos termos do mesmo dispositivo da lex, a escritura pública deve conter em seu bojo, ressalvadas disposições legais especiais, a data e local de sua realização, o reconhecimento da identidade e capacidade das partes e de quantos hajam comparecido ao ato, o nome, nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência das partes e demais comparecentes, a manifestação clara da vontade das partes, a referência ao cumprimento das exigências legais e fiscais inerentes à legitimidade do ato, a assinatura das partes e dos demais presentes, bem como a do tabelião ou seu substituto legal, encerrando-se o ato com a leitura do documento, na presença das partes e demais envolvidos.
Ceteris paribus, a legislação pátria define que a validade dos atos jurídicos não depende, via de regra, de forma especial (art. 107 do Código Civil), de modo que podem ser feitos por meio do instrumento particular ou outro meio juridicamente reconhecido, salvo quando determinada modalidade de formalização é exigida por lei como condição de validade e aperfeiçoamento do negócio. Neste último caso, o ato é denominado solene, constituindo a própria substância do negócio jurídico, e sua formalidade é ad solemnitatem ou ad substantiam, isto é, caso não perfectibilizado nos termos legalmente exigidos, o ato reputa-se nulo.
A forma solene prescrita em lei pode ser considerada única, ou seja, não tem potencial de ser substituída por outra em virtude de prévia determinação legal, como é o caso previsto no art. 108 do Código Civil, cujo texto preceitua a imprescindibilidade da escritura pública na alienação de imóvel de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país.
Nessa tessitura, é fato que a promessa ou compromisso de compra e venda de imóvel pode ser realizada por meio de instrumento particular, qualquer seja o valor do bem objeto do contrato, no entanto, uma vez evidenciado que a avaliação do bem transacionado ultrapassa o montante indicado pela lei, substancial é a sua formalização do negócio jurídico de alienação por meio da escritura pública.
Ainda, acerca da validade do instrumento consolidador da transação de imóvel, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça entende que “o contrato particular de alienação de bem imóvel, ainda que desprovido de registro, representa autêntica manifestação volitiva das partes, apta a gerar direitos e obrigações de natureza pessoal, ainda que restrita aos contratantes. O fato de o contrato de permuta de bem imóvel ainda não ter sido devidamente registrado em cartório, não confere a uma das partes a prerrogativa de desistir do negócio jurídico” (STJ-3ª T., REsp 1.195.636, Min. Nancy Andrighi, j. 14.4.11, DJ 27.4.11).
Em outras palavras, conclui-se que a transação de compra e venda de bem imóvel cujo valor supere a monta de trinta salários mínimos realizada por meio de mero instrumento particular, ou mesmo por meio de contrato de compromisso de compra e venda, possui efeito inter partes, mas para que o ato seja efetivamente válido e produza efeitos erga omnes, é necessária sua formalização através da escritura pública devidamente lavrada pelo tabelião, uma vez que considerada essencial à luz do ordenamento jurídico.
Não obstante e sob a égide do artigo 1.245 do Código Civil, vale roborar que, a fortiori, a efetiva aquisição da propriedade do bem imóvel transacionado somente se opera mediante registro do título translativo no Registro de Imóveis competente, sendo esta a ulterior medida para que a compra e venda opere efeitos no mundo jurídico em sua completude.
Por fim, enfatiza-se que a inobservância dos requisitos exigidos para a formalização dos atos jurídicos, seja por escritura pública ou instrumento particular, nos termos acima descritos, pode acarretar na nulidade do negócio ou refutá-lo contestável pelas partes ou perante terceiros interessados.
Por: Dra. Mariana Biolo – OAB/SC nº 60.542
Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho (Escola Brasileiro de Direito – EBRADI)
Especialista em Advocacia Cível
(Fundação Escola Superior do Ministério Público – FMP (OAB/ESA)
*Coluna ‘OAB em Destaque’, publicada no Jornal O Celeiro, Edição 1844 de 29 de agosto de 2024.